Eusébio, um caso ímpar
O nome de Eusébio da Silva Ferreira é incontornável na história do Desporto. Nasceu para o futebol e, com a sua agilidade, velocidade e potência, conquistou adeptos em todo o mundo, tornando-se num ídolo mundial e uma inspiração para as gerações futuras. Foi o primeiro jogador negro a receber a Bola de Ouro e a Bota de Ouro, abrindo as portas para os jogadores seguintes. Longe de se deslumbrar, manteve sempre o seu fair-play e tornou-se num embaixador da modalidade.

Roland Oliveira. Acervo SLB
Pantera Negra
Eusébio cresceu e aprendeu a jogar à bola nas ruas de Mafalala, da sua cidade natal, Lourenço Marques (hoje Maputo), em Moçambique. Um dia, tentou entrar no Desportivo de Lourenço Marques, filial do Benfica, o seu clube de coração, mas o treinador achou-o demasiado franzino e mandou-o embora. Enveredou no futebol profissional pelo Sporting de Lourenço Marques e rapidamente chamou a atenção de outros clubes, acabando por se tornar jogador do Benfica, tal como sempre desejara. Com 18 anos, Eusébio aterrou no aeroporto de Portela, em Lisboa, na noite fria de 15 de dezembro de 1960, humilde, mas decidido a alcançar uma carreira memorável.
“- Espera adaptar-se bem ao futebol da Metrópole?
– Venho com essas esperanças. Pelo menos, tenho a certeza de que vou trabalhar com afinco para isso, no clube que, há dez anos, vi jogar em Lourenço Marques e que, apesar de seu ainda ser um garoto, logo me fez simpatizar com ele…”. Cit. A Bola, n.º 2195 (17 dezembro 1960), p. 6
Jogou 15 épocas de “águia ao peito” e conquistou um palmarés invejável, tornando-se no maior goleador da história do Benfica. Realizou exibições memoráveis pelos estádios da Europa, sendo de destacar a aquela que é considerada a mais bela final de sempre da Taça dos Clubes Campeões Europeus, a 2 de maio de 1962. O Benfica venceu pela segunda vez consecutiva a competição, ao derrotar o Real Madrid por 5-3, em Amesterdão, com dois golos de Eusébio.
Atualmente, ainda é o jogador que conquistou mais Campeonatos Nacionais pelo Benfica, tendo sido 11 vezes campeão. Foi sete vezes o melhor marcador desta prova, um recorde que perdura, e foi o primeiro jogador a sagrar-se o melhor marcador europeu, recebendo a primeira Bota de Ouro atribuída pela publicação France Footbal, em 1968, distinção de que voltaria a ser alvo cinco anos depois.
O seu futebol feito de improviso, potência, velocidade e técnica apaixonou os adeptos deste desporto, recebendo a alcunha de “Pantera Negra”, difundida por um jornalista inglês, em 1961.
“Extraordinários elogios a Eusébio, comparado a uma pantera negra. […] «Daily Sketch»: «Por 3 vezes a Inglaterra foi salva por um poste – por duas vezes após Eusébio ter passado através da defesa como uma pantera negra”. Cit. Diário de Lisboa, n.º 13962 (26 outubro 1961), p. 13

Acervo SLB
Pelé e Eusébio
Dois gigantes do futebol encontraram-se pela primeira vez em Paris: Eusébio e Pelé. A 15 de junho de 1961, para o Torneio Internacional de Futebol de Paris, o Benfica jogou com o Santos, do Brasil – a equipa de Pelé, o rei do futebol brasileiro. A equipa portuguesa ainda sofria do desgaste causado pela conquista da Taça dos Clubes Campeões Europeus e quando chegou o intervalo perdia por 0-4. Entrou Eusébio, em substituição de Santana, alcançando um hat-trick que entusiasmou o Parque dos Príncipes. Quando soou o apito final o marcador estava 3-6, porém, no dia seguinte a imprensa estava rendida a Eusébio. Estava iniciada a discussão de qual dos dois era o melhor jogador, que se manteria durante as décadas seguintes, mas para Eusébio o importante era só uma coisa: o futebol.
“Simplesmente, na ânsia de arranjarem legendas bombásticas, têm-me chamado o «Pelé da Europa». Por favor, não me chamem isso. Pelé é Pelé. Eu sou eu. Somos duas pessoas completamente distintas, apenas com uma afinidade comum: termos ambos o futebol no sangue”. Cit. FERREIRA, Eusébio da Silva, O meu nome é Eusébio, autobiografia do maior futebolista do mundo, Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1966, p. 199

Roland Oliveira. Acervo SLB
Bola de Ouro
Eusébio foi o primeiro português e o primeiro jogador negro a receber a Bola de Ouro. Na 10.ª edição da Bola de Ouro, foi considerado o Melhor Futebolista Europeu do Ano, num inquérito realizado pela France Football, em 1965. Uma honra para o jogador, para o Benfica e para o país. Eusébio estava a guiar quando soube a notícia pela rádio e ficou de tal modo emocionado que a sua mulher pediu para ser ela a guiar apesar de… não ter carta! Longe de se deslumbrar pela consagração, sentiu o peso da responsabilidade que o título exigia e decidiu obrigar-se a si próprio a fazer o melhor possível em todas as condições.
“Trinta e seis jornalistas brancos, tendo de escolher o melhor dentre larga maioria branca, moveram-se apenas pela sua razão e critério. Foi Eusébio o escolhido, sem se lhe perguntar a cor da pele”. Cit. A Bola, n.º 2977 (30 dezembro 1965), p. 8
“Ouro negro, talvez, mas ouro, ouro puro este «mufana» de Moçambique que açambarcou, de um momento para o outro, as atenções desta Europa tão velha e tão descrente.” Cit. O Benfica Ilustrado, n.º 65 (1 fevereiro 1963), p. 3

Roland Oliveira. Acervo SLB
The King
Numa altura em que fronteiras nacionais não estavam limitadas a Portugal Continental e aos arquipélagos da Madeira e Açores, houve vários jogadores de origem africana que ganharam notoriedade na seleção das “quinas”, que alcançou a sua melhor prestação de sempre no Mundial de 1966, ao conquistar o honroso 3.º lugar. Eusébio foi a maior estrela da competição, com um total de nove golos, e ficaram para a história os vários momentos marcantes protagonizados pelo avançado. A sua prestação memorável valeu-lhe a alcunha de “Rei”, que batizaria as sapatilhas Puma King, criadas em sua homenagem e lançadas em 1968.
Eusébio foi 64 vezes internacional e marcou 41 golos. Anos depois, continuou a apoiar incondicionalmente o futebol português na qualidade de Embaixador da Seleção Nacional, cargo que desempenhou até ao fim da sua vida.
Fair play
Eusébio foi um exemplo de fair-play, tanto dentro como fora do campo, distinguindo-se pela correção e o respeito que sempre colocou no desporto e na sua vida pessoal. Aos 60 anos, como reconhecimento a uma carreira votada à aproximação entre pessoas e ao desportivismo, foi agraciado com o mais alto galardão do Comité Internacional de Fair-Play, no âmbito da UNESCO, em Paris. Um prémio que o muito honrou e que lhe trouxe muita satisfação.
“Eusébio teve a cortesia de me chamar o seu irmão branco. Agora retribuo-lhe, dizendo que ele é o meu irmão de todas as cores: do carinho, do amor, da ternura, da solidariedade. Quando a amizade é grande, não tem cor”. Cit. António Simões in A Bola, n.º 14623 (6 janeiro 2014), p. 6
Fontes
Artigos de publicações periódicas
A Bola, n.º 2195 (17 dezembro 1960), p. 4 e 6
A Bola, n.º 2977 (30 dezembro 1965), p. 1, 5, 8
A Bola n.º 14636 (19 janeiro 2014), p. 24-25
Diário de Lisboa, n.º 13962 (26 outubro 1961), p. 13
Diário de Lisboa, 16 de dezembro de 1960, p. 10
Diário de Lourenço Marques, n.º 15216 (25 novembro 1960), p. 8
Ídolos do Desporto, n.º 1, 3.ª série (7 de dezembro de 1963), p. 1-16
Ídolos do Desporto, n.º 2, 6.ª série (29 de novembro de 1969), p. 1-17
Ídolos do Desporto, n.º 2, 7.ª série (11 de dezembro de 1971), p. 1-17
Mundo Desportivo, 16 de dezembro de 1960, p. 6
Mundo Desportivo, n.º 3217 (27 dezembro 1965), p. 1, 9
Mundo Desportivo, n.º 3218 (29 dezembro 1965), p. 1, 8
O Benfica, n.º 969 (18 junho 1961), p. 1, 8-9
O Benfica, n.º 1207 (30 dezembro 1965), p. 1, 3
O Benfica, nº 1230 (9 junho 1966), p. 2
O Benfica, n.º 1237 (28 julho 1966), p. 1
O Benfica, n.º 1248 (15 outubro 1966), p. 12
O Benfica, n.º 3049 (2 outubro 2002), p. 26
O Benfica, n.º 3064 (15 janeiro 2003), p. 25
O Benfica Ilustrado, n.º 65 (fevereiro de 1963), p. 3, 16, 18
Sábado, n,º 506 (8 janeiro 2014), p. 30, 32, 50, 64
Record, n.º 988 (17 dezembro 1960), p. 14
Record, n.º 12682 (6 janeiro 2014), p. 1 – 28
“Rei” Eusébio – Melhor marcador do Mundial de 1966 (revista de 1966)
Revista, n.º 2150 (11 janeiro 2014), p. 16, 52-53
Tabu (Sol), n.º 384 (10 janeiro 2014), p. 38 – 53
Visão, [s/n] (7 janeiro 2014), p. 45, 60
Obras bibliográficas
FERREIRA, Eusébio da Silva, O meu nome é Eusébio, autobiografia do maior futebolista do mundo, Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1966
MALHEIRO, João, Obrigado, Eusébio, Lisboa, Estar Editora, [s/d], p. 16-19
Obras bibliográficas
“Chuteiras: a evolução do futebol na ponta dos pés” in https://artsandculture.google.com/exhibit/football-boots-the-evolution-of-soccer-in-footwear/8wLCyNU2kA61Jg, consultado a 8 de março de 2021
“Puma timeline” in https://about.puma.com/en/this-is-puma/history, consultado a 8 de março de 2021.
Fair Play International – http://www.fairplayinternational.org/2014-world-fair-play-trophy-winners-2, consultado a 8 de março de 2021
Record – https://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/liga-nos/benfica/detalhe/eusebio-embaixador-mundial-do-fair-play, consultado a 8 de março de 2021
UEFA – https://www.uefa.com/insideuefa/member-associations/news/018d-0f84468a28a3-ee0620ddd1f7-1000–fair-play-to-eusebio-and-merk/, consultado a 8 de março de 2021